segunda-feira, 25 de julho de 2011

Caso das gêmeas capixabas que marcou a história da medicina mundial

 

Foto: Arquivo Público Mineiro

Julio Huber

São do Espírito Santo as primeiras gêmeas siamesas – nascidas “grudadas” – que tiveram a primeira cirurgia bem sucedida em todo o mundo. Rosalina e Maria Pinheiro Dável nasceram em 1893 na localidade de Ribeirão do Costa, em Afonso Cláudio, região Serrana do Estado. 

Na época, os recursos médicos eram escassos e não havia muitos estudos sobre o caso. Diante da situação e das poucas condições de criar as meninas, os pais, João Dável e Rosalina da Silva Pinheiro, humildes agricultores, resolveram dar as meninas para o médico Eduardo Chapot Prevost, que residia com a família em Vitória.

No ano de 1900, quando as meninas já tinham sete anos de idade, elas foram levadas para o Rio de Janeiro. No dia 30 de maio do mesmo ano, Prevost realizou a cirurgia que ficou conhecida mundialmente como a primeira bem sucedida em casos igual ao das gêmeas capixabas.

                                                   Foto: Reprodução / Julio Huber

Dr. Eduardo Chapot Prevost

A operação, praticamente artesanal, foi realizada na Casa de Saúde São Sebastião, na cidade carioca de Laranjeiras. Maria, que sempre teve medo da cirurgia, morreu cinco dias depois. Ela teve uma pleuropericardite, quadro infeccioso grave. 

Já Rosalina, sobreviveu e passou bem após a operação. Ela foi criada pelo médico e a esposa dele como uma filha. Ela se casou com Wantuil Henriques no dia 17 de janeiro de 1927, com quem teve cinco filhos normais, nenhum gêmeo. A exemplo da mãe, todos os cinco filhos, sendo quatro homens e uma mulher, não tiveram gêmeos.

                                                                  Foto: Reprodição / Julio Huber

Rosalina, aos 75 anos, com o marido Wantuil Henriques e os netos

Na época, Rosalina foi desaconselhada por muitos médicos a ter filhos, pois a gravidez seria de alto risco e poderiam nascer gêmeos. Entretanto, Chapot Prevost afirmava que ela poderia engravidar sem medo, pois era uma pessoa normal. 

Ela teve o primeiro filho na capital carioca, com medo de que algo poderia acontecer. Os outros quatro nasceram no distrito de Comércio, hoje Sebastião Lacerda, próximo a Rio das Flores. Atualmente, a maioria dos netos dela moram na cidade de Vassouras, interior do Rio de Janeiro. Entretanto, em Afonso Cláudio também residem alguns parentes das irmãs.

O caso das gêmeas foi lembrado no livro “Afonso Cláudio - cronologia da sua história política, administrativa, cultural, social e administrativa de 1850 a 2009”. A obra foi escrita pelo economista e ex-secretário de Estado José Eugênio Vieira, nascido em Afonso Cláudio. O escritor realizou um trabalho de pesquisa, reunindo depoimentos, documentos e fotos que relatam o passado do município.

Pais doam filhas para o médico que as operou

Rosalina e Maria tiveram outros dez irmãos, sendo sete homens e três irmãs. As gêmeas foram as únicas que não viveram com o humilde casal de agricultores do interior de Afonso Cláudio. Rosalina viveu após a cirurgia e constituiu família no Rio de Janeiro, mas visitou algumas vezes os pais no Estado.

                                                                                   Foto: Julio Huber

Sobrinha das gêmeas, Dalila Dável, moradora de Afonso Cláudio

Segundo relato da costureira Dalila Dável Delarmelina, 57 anos, sobrinha das gêmeas e que mora na Sede de Afonso Cláudio, as gêmeas foram levadas no lombo de burro até Cachoeiro do Itapemirim e pegaram um trem até o Rio de Janeiro, onde foram operadas.

“Na época, a viagem daqui até Cachoeiro era demorada, pois as estradas eram estreitas e não existiam carros. Elas foram colocadas dentro de um balaio em cima de um burro. Do outro lado do animal foram colocadas pedras dentro de outro balaio para o burro se equilibrar. De Cachoeiro elas foram de trem para o Rio de Janeiro”, contou Dalila.

Segundo ela, a única forma de comunicação na época era por meio de carta. “Foi por cartas que os pais delas, meus avós, ficaram sabendo da chegada delas, da cirurgia e do falecimento de Maria. As cartas também serviram para Rosalina se comunicar e contar um pouco da sua vida lá”, relatou Dalila.

Ela contou que Rosalina visitou algumas vezes a família em Afonso Cláudio. “Os meus pais e tios contam que ela trazia todos os utensílios que precisava para usar no dia-a-dia. Certa vez ela trouxe um baú cheio de louças e presentes, que ficou aqui e foi dividido entre os parentes”, disse. 

Primeira radiografia no Brasil foi feita nas gêmeas

Outro fato inédito do caso foi a utilização de radiografia, que identificou que além das gêmeas serem unidas pelo tórax, também eram unidas pelos fígados. Na época, o médico Álvaro Alvim havia acabado de chegar de Paris, na França, onde aprendeu com Marie Curie o uso de radiografia, até então desconhecida no Brasil.

Radiografia mostrando que as gêmeas eram ligadas pelo fígado

Esse também foi o primeiro caso no mundo da utilização de radiografia em irmãs xifópagas e o primeiro caso do uso de raio-X no Brasil, que foi instalado por Álvaro Alvim. Ele foi homenageado com o uso de seu nome de ruas e em hospitais do Rio de Janeiro.

Caso virou exemplo para o mundo

A operação que separou as irmãs xifópagas, caso também conhecido como siamesas, ficou conhecida como a primeira cirurgia bem sucedida em todo o mundo. O reconhecimento fez o médico Eduardo Chapot Prevost, que era professor de histologia - ramo da biologia que estuda a estrutura microscópica dos órgãos - e a irmã sobrevivente, Rosalina, viajarem para a Europa.

Rosalina, após a operação

Com verba do Governo brasileiro, os dois foram para Paris, na França, onde o médico fez uma série de palestras explicando como foi o processo da cirurgia inédita. Além da ousadia de realizar a arriscada operação, a falta de recursos da época também era outro complicador.

Irmãs tinham vontades diferentes

Segundo a pensionista Ana Dável Freitas, sobrinha das gêmeas e que reside em Afonso Cláudio, região Serrana do Estado, as gêmeas tinham vontades diferentes. Apesar de ligadas pelo corpo, cada uma pensava e agia de forma própria. 

“Meu pai, que era irmão delas, contava que tinha ocasiões em que uma queria ficar vendo a cidade do Rio de Janeiro pela janela enquanto a outra preferia ficar sentada no sofá. Muitas vezes, na hora da refeição, uma queria comer e a outra dizia que não estava com fome. Isso as levava a brigarem por quererem fazer coisas diferentes ao mesmo tempo”, contou Ana.

Na hora de andar também era difícil, pois muitas vezes cada uma queria ir para um lado. “Elas andavam como se estivessem dançando, pois cada uma puxava para uma direção”, disse a sobrinha. Em uma matéria publicada pelo jornal Extra, do Rio de Janeiro, em dezembro de 2000, um dos netos de Rosalina, gêmea que sobreviveu a cirurgia, fez alguns relatos das histórias ouvidas pela sua avó.

O neto Francisco Eduardo, que mora em Rio das Flores (RJ), disse que sua avó contava que Maria sempre teve medo de ser operada. Certa vez Rosalina contou a ele que “na manhã do dia 30 de maio de 1900, com uma voz de angústia, Maria falou que queria desistir da operação, pois ela achava que iríamos morrer. Eu também tive medo, mas lembrei de nossos sonhos de liberdade e que confiava no padrinho Eduardo”. 

Francisco relatou ao jornalista Antonio Roberto Arruda, do jornal Extra, que após a cirurgia Rosalina teve uma sensação estranha quando acordou e não viu a irmã ao lado. Dias depois da operação, Rosalina contou que uma das melhores sensações foi poder andar de frente.

Como foi a cirurgia

Momento da cirurgia que separou as duas irmãs

- As gêmeas eram ligadas pelo tórax, da quinta costela até o umbigo, e pelo fígado.

- Eduardo Chapot Prevost deu a uma das gêmeas azul de metileno para ver se ambas urinavam azulado. Assim eliminou a hipótese de estarem unidas pelo rim.

Dr. Eduardo Chapot Prevost com a equipe médica que o auxiliou durante a cirurgia

- A descoberta da ligação pelos fígados foi possível graças ao uso, pela primeira vez no Brasil, de radiografia, feita por Álvaro Alvim.

- Após muitos estudos, o médico Eduardo Chapot Prevost resolveu realizar a cirurgia. Como ainda não havia sido descoberta a anestesia, ele usou clorofórmio para sedar as gêmeas.

- Em um trabalho artesanal, ele construiu uma mesa especial, divididas em duas partes. Assim a equipe médica atendeu as duas meninas ao mesmo tempo após a separação.

- Os médicos Miguel Couto, Moncorvo Filho, Ernani Pinto Ramos, Álvaro Rodrigues e o farmacêutico Sayão auxiliaram na operação. Sayão forneceu gratuitamente o oxigênio usado durante a cirurgia.

Dr. Chapot Prevost e a esposa ao lado de Rosalina

- Maria morreu cinco dias após a cirurgia depois que contraiu uma grave infecção. Em 1900 não havia remédios para combater quadros de infecção. Rosalina sobreviveu, se casou e teve uma família.

Fonte: www.montanhascapixabas.com.br

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